O campo de estudos das relações internacionais é altamente dinâmico, sendo que o próprio objeto de estudo está em constantemente
transformação, e alias, não há consenso entre os acadêmicos nem sobre qual é o objeto
de estudo das relações internacionais. Se o consenso não existe sobre o objeto
de estudo, é claro que o mesmo não se faz presente na epistemologia e metodologia
deste campo interdisciplinar. Neste sentido, a palavra que melhor caracteriza
as relações internacionais é a diversidade,
tanto em termos de concepção quanto de construção teórica.
Com
tantas abordagens, escolas e teorias diferentes nas relações internacionais,
seria um “crime” contra seus autores tentar classifica-las de maneira rigorosa.
Por outro lado, por questões organizacionais e didáticas, se faz necessário certa
divisão. Sendo assim, podemos efetuar uma distinção entre: “teorias
tradicionais” (hegemônicas) e “teorias dissidentes”. Esses dois “blocos
teóricos” não representam homogeneidade, mas sim, alguns elementos teóricos
similares. Desta maneira, tomaremos o cuidado de não “calar” os diferentes
discursos apresentados entre as teorias que se situam em cada um destes “blocos
teóricos”. Feito tal divisão, e informados sobre os riscos da mesma, podemos
dizer que as teorias mainstream
(Realismo,
Liberalismo, e suas vertentes) são do bloco das “tradicionais”, já a teoria
crítica, teorias de gênero, sociologia histórica e os pós-modernos fazem parte das
“teorias dissidentes”. Algumas perspectivas singulares, como o caso do
construtivismo e da Escola inglesa, não se faz possível aplicar tal divisão, já
que suas agendas de pesquisa perpassam a divisão anterior.
Focamos
agora nossa análise sobre as “teorias dissidentes” e suas similaridades. O
elemento mais comum entre estas teorias é a negação as “teorias tradicionais”,
em especial ao neorrealismo. Esta negação é de suma importância, pois não rejeita
somente a metodologia adotada pelas “teorias tradicionais”, mas sim a
epistemologia – a maneira de compreender, decifrar, e explicar o mundo. Neste
sentido, o elemento comum entre os “dissidentes” se torna a crítica ao
racionalismo ocidental (positivismo-empirismo), que pode ser melhor apresentada
a seguir: (1°) questiona-se a possibilidade de formular verdades objetivas e
empiricamente falseáveis sobre o mundo social; (2°) seria o conhecimento
fundamentado em bases reais? – esta dúvida é constante entre os pós-modernistas;
(3°) até que ponto a ciência é neutra, se é que a neutralidade existe. Essa
crítica ao racionalismo fez com que tais questionamentos apresentados pelas
“teorias dissidentes” fossem rotulados como “reflexivistas” por Robert Keohane.
Novamente
chamo a atenção ao grau de “reflexivismo” presente em cada “teoria dissidente”,
o qual não representa a homogeneidade do todo. Há teorias que buscam maior
ruptura com a epistemologia racionalista ocidental, como é o caso do pós-modernismo,
já outras teorias como o construtivismo, possuem algumas correntes que procuram
o dialogo e a construção de “pontes” entre as teorias “tradicionais”. Em maior
ou menor grau, o “reflexivismo” está presente na teoria crítica, no feminismo, no
pós-modernismo, na sociologia histórica e em algumas correntes do
construtivismo.
Além da
crítica comum ao racionalismo ocidental – e que ao mesmo tempo é a grande
diferença perante as teorias tradicionais, as teorias “dissidentes” apresentam
outras similaridades: (1) a metodologia utilizada é baseada em interpretações
históricas e textuais – além de uma notável interdisciplinaridade; (2) as
teorias possuem uma proposta normativa presente – que será tratado mais adiante;
(3) os fenômenos das relações internacionais são socialmente construídos,
portanto, passiveis de transformação; (4) as “teorias dissidentes” fornecem
espaço para assuntos “marginalizados” pelas teorias tradicionais; (5)
questionam a hegemonia do realismo nas relações internacionais; (6) e apontam os
limites epistemológicos e éticos das teorias tradicionais.
Feita
esta análise, fica claro que os elementos comuns ressaltados entre as “teorias
dissidentes” são em grande parte críticas as “teorias tradicionais”. Essas
críticas se fazem mais presentes após as mudanças estruturais do sistema
internacional nas décadas de 1980 e 1990, em especial o final da guerra fria.
Este período de crises e transformações permitiu maior abertura a discussões de
assuntos até então marginalizados pelas teorias hegemônicas ou tradados como low politics. Como exemplo, podemos
citar os estudos sobre movimentos de migração, o papel do gênero nas relações
internacionais, meio ambiente e desastres naturais, sociedade civil global e
representatividade, entre outros. Estes assuntos começaram a ser debatidos com
maior seriedade e repercussão, atraindo cada vez mais os acadêmicos da área de
relações internacionais. Essa “onda” crítica também é sentida no Brasil, pois é
neste mesmo período de abertura democrática (final dos anos 80) que se iniciam
maiores debates sobre a representatividade da sociedade civil nas decisões de
política externa, aflorando com intensidade a discussão politica externa versus política pública.
* Felipe Alessio - Mestrando em Relações Internacionais - UFSC
- Bacharel em Relações Internacionais - Unisul
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