terça-feira, 14 de agosto de 2012

A leitura como objeto alienador

Por João Marcos Pereira Soares

Terminei recentemente a leitura de um livrinho muito agradável de Rubem Alves, grande educador brasileiro que tem ideias interessantes para revolucionar o atual sistema de ensino ineficaz e precário do país. Digo agradável porque, além de ser pequeno (148 páginas), leva o leitor a refletir a respeito do que está lendo.
“Entre a ciência e a sapiência: O dilema da educação” é o nome da obra. Cito aqui um parágrafo que me levou a pensar muito e modificar algumas ideias que trazia comigo, impulsionadas, em geral, por meus professores, sobretudo os da graduação: “Ler pode ser uma fonte de inteligência. Frequentemente é uma fonte de emburrecimento. Muitas pessoas, inteligentes por nascimento, ficaram burras por excesso de leitura”.
Quando entramos na universidade, nos são empurradas – sem dó – centenas de páginas de apostilas e livros, acompanhadas de uma frase que os professores adoram: “Leitura obrigatória”. Ora, como se realmente fôssemos aprender – no sentido real da palavra – ao ler um texto com o qual não nos identificamos. Essas leituras são importantes apenas para decorar temporariamente respostas de prova, que é outra questão que merece ser debatida, pois não acredito que seja a melhor maneira de avaliar as capacidades intelectuais de um acadêmico, em especial os das ciências humanas.
Rubem Alves, que usualmente explana seus pensamentos através de analogias, compara o exercício da leitura com o de comer um prato gastronômico, aonde primeiro devemos provar uma pequena parte para, se agradável for, nos entregarmos totalmente. Ou seja, para que uma leitura seja satisfatória e realmente acrescente à mente do leitor, é necessária uma educação da sensibilidade, uma arte de discriminar gostos, segundo o autor.
Assim como a televisão – amplamente criticada no ambiente acadêmico – os livros podem ser considerados um objeto alienador. Ao exercitar o pensamento, o telespectador adquire a capacidade de filtrar a programação que acompanha na televisão e refletir a respeito do que vê, formando sua própria opinião. Na leitura não é diferente. Ler o “Manifesto do Partido Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels, tornará qualquer mortal um marxista fervoroso. Isto dificilmente acontecerá quando a mesma pessoa ler “A riqueza das nações”, de Adam Smith, clássico da teoria liberal, antagônica à marxista.
Argumentação é uma qualidade que os grandes autores utilizam para conquistar adeptos às suas correntes de pensamento. O grande desafio do leitor é utilizar sua capacidade crítica para refletir sobre as ideias lidas e formular uma opinião a respeito, que promova o debate.
Excesso de leitura, principalmente de apenas uma corrente de pensamento, faz com que o ser humano deixe de pensar com a sua cabeça e passe a pensar com a cabeça do autor que está lendo. Perde-se a capacidade crítica e o exercício da reflexão deixa de ser praticado. Ler é importante. Ler é prazeroso. Mas não é necessariamente garantia de inteligência. Inteligente é quem pensa por si próprio, formula conceitos a partir de suas ideias. Mais importante que o exercício da leitura, é o exercício do pensamento. Um pode completar o outro, se o leitor souber usar a dosagem certa. Ler leva o ser humano a pensar. Ler em excesso, todavia, leva-o à obsolescência.

Um comentário:

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