*Felipe Alessio
Até a ascensão da sociologia no século
XIX, todos os trabalhos importantes sobre teoria política procuravam proclamar
elementos normativos e empíricos. No entanto, no início do século XX, com a “onda”
positivista e a consideração de possíveis leis aplicáveis as ciências sociais,
a teoria normativa e a pesquisa empírica se tornaram diferentes ramos das
ciências sociais. É exatamente essa dicotomia que procuraremos criticar, uma
vez que, a pesquisa empírica pode ser guiada pela teoria normativa, assim como,
a teoria normativa pode ser melhorada através das constatações empíricas.
Mas o que é teoria política normativa?
Bauböck
(2008) conceitua teoria política normativa como uma disciplina acadêmica que
usa modelos específicos de argumentos no sentido de direcionar-se a uma
específica questão, variando desde os estilos narrativos as técnicas oriundas
da filosofia analítica. A questão comum levantada por esta disciplina é que os
discursos prescritivos e valorativos são elencados como um arranjo de
proposições, que além de serem consistentes internamente, devem ser defendidos contra
abordagens opositoras. As preocupações da teoria política normativa tem sido
sobre: (1) o bem comum realizado através da comunidade política; (2) a
legitimidade da autoridade política; (3) os direitos e liberdades daqueles
vivendo sobre esta autoridade; (4) a natureza e as forças de ligação entre as
obrigações políticas.
Como disse, o século XX foi marcado
nas ciências sociais pela onda behaviorista, a qual preparou o terreno para o
desenvolvimento dos estudos empíricos, buscando explicar os fatos sociais e políticos
sem o julgamento de valores. Neste sentido, teoria normativa foi retratada como
algo do passado, a ser estudada pela história das ideias. Essa visão foi
defendida pelos racionalistas críticos, amparados pelos escritos de Karl
Popper, os quais delimitavam que o critério de demarcação da ciência estaria na
possibilidade de construir hipóteses (teorias) falseáveis. A dicotomia
fatos/valores também é abordada com precisão a seguir:
“Normative theorizing must deal in facts just as empirical work must
deal in values; they do not inhabit different worlds. The selection of a topic
in empirical political science presumes a judgment of moral importance. (Therefore) Good social science must
integrate both elements; it must be empirically grounded, and it must be
relevant to human concerns.” (GERRING,
YESNOWITZ, 2006, 108-110p)
Apesar
da velocidade em que o positivismo provocou mudanças na academia
norte-americana, isso não determinou o fim dos estudos de teoria política normativa, apenas
seu enfraquecimento. O retorno da disciplina nas ciências sociais, de facto, é reflexo dos estudos de John
Rawls, em especial no livro Theory of
Justice (1971). Sua obra orientou a teoria política normativa em sua
contínua tarefa de criticar ou justificar instituições nas sociedades liberais
democráticas, além de provocar o spillover
effect do debate para as demais disciplinas, em especial a economia.
Na década de 1990, “pontes” foram
construídas por alguns teóricos políticos sobre a lacuna existente entre a
disciplina normativa e a pesquisa empírica, o que veio a ser chamado de teoria
normativa aplicada. Este novo enfoque institucionalista – o qual presava por maior
atenção as variações contextuais – destacou quatro temas proeminentes: (1)
teoria não-ideal, a qual propõe a alternância entre as abordagens idealistas e
realistas; (2) justiça global, onde o liberalismo requer que a preocupação e o
respeito sejam estendidos em nível global; (3) sociedade fechadas, livre
circulação de pessoas como meio para nivelar a qualidade de vida, ou redução das
discrepâncias na própria nação como condição para a livre circulação; (4)
autodeterminação e direito das minorias, debate regido por libertários,
liberais igualitaristas, e liberais nacionalistas. Um quinto tema pode ser
incorporado através do artigo de Martineau e Squires (2012), o qual proporciona
um debate sobre a relação entre teoria política normativa e os estudos
empíricos nas pesquisas feministas, questionando até que ponto seria possível
estabelecer uma ponte entre os mesmos, ou seria necessário um método crítico
alternativo a estas duas abordagens.
A virada contextual e
institucionalista da teoria normativa apresentada acima têm elevado o interesse
daqueles que trabalham na área em utilizar as abordagens comparativas e
históricas em seus estudos de ciência política. Ainda que alguns estudiosos
possuam receio de que, ao importar questões normativas aos seus trabalhos os
mesmos percam a corroboração científica, Bauböck (2008), ressalta que esta é uma
tarefa inevitável, uma vez que, as questões normativas afetam as ciências
sociais em três maneiras diferentes: (1) toda pesquisa científica confronta-se
com questões éticas; (2) o objeto de pesquisa não pode ser isolado clinicamente
– o pesquisador está envolvido numa relação social com o fenômeno pesquisado;
(3) a legitimidade do poder político e da autoridade são o conteúdo de
investigação e não apenas o contexto da pesquisa social.
Neste sentido, qualquer tentativa de
purificar as ciências sociais de suas atribuições normativas é uma tentativa
equivocada. Tanto a ciência social problem-driven
e a teoria normativa estabelecem contribuições importantes para o discurso
político, a primeira promove explicações teóricas e conhecimento empírico, a
segunda clarifica os argumentos e princípios envolvidos. Sendo assim, os
cientistas sociais possuem um reconhecido poder de influencia, o qual deveria ser utilizado para estimular o
debate na sociedade civil, e não servir somente de feedback as elites no poder, e se os servissem que o fizessem em
público, pois transparência é um dos pilares de uma democracia.
BAUBOCK, R. (2008) ‘Normative Political Theory and Empirical
Research’, in D. Della Porta and M. Keating (eds), Approaches and
Methodologies in the Social Sciences:A Pluralist Perspective. Cambridge:
Cambridge University Press, 40–60.
GERRING, John; YESNOWITZ, Joshua. A Normative Turn in Political
Science? 2006. Northeastern Political Science Association.Volume
38, Number 1. Boston University
MARTENEAU, Wendy; SQUIRES, Judith. Addressing the ‘Dismal
Disconnection’: Normative Theory, Empirical Inquiry and Dialogic
Researchpost. Political
* Felipe Alessio - Mestrando em Relações Internacionais - UFSC
- Bacharel em Relações Internacionais - Unisul
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