quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O "Retorno" da Dimensão Normativa na Teoria Política: um debate além da metodologia


                                                                                    *Felipe Alessio
Até a ascensão da sociologia no século XIX, todos os trabalhos importantes sobre teoria política procuravam proclamar elementos normativos e empíricos. No entanto, no início do século XX, com a “onda” positivista e a consideração de possíveis leis aplicáveis as ciências sociais, a teoria normativa e a pesquisa empírica se tornaram diferentes ramos das ciências sociais. É exatamente essa dicotomia que procuraremos criticar, uma vez que, a pesquisa empírica pode ser guiada pela teoria normativa, assim como, a teoria normativa pode ser melhorada através das constatações empíricas.
Mas o que é teoria política normativa? Bauböck (2008) conceitua teoria política normativa como uma disciplina acadêmica que usa modelos específicos de argumentos no sentido de direcionar-se a uma específica questão, variando desde os estilos narrativos as técnicas oriundas da filosofia analítica. A questão comum levantada por esta disciplina é que os discursos prescritivos e valorativos são elencados como um arranjo de proposições, que além de serem consistentes internamente, devem ser defendidos contra abordagens opositoras. As preocupações da teoria política normativa tem sido sobre: (1) o bem comum realizado através da comunidade política; (2) a legitimidade da autoridade política; (3) os direitos e liberdades daqueles vivendo sobre esta autoridade; (4) a natureza e as forças de ligação entre as obrigações políticas.
Como disse, o século XX foi marcado nas ciências sociais pela onda behaviorista, a qual preparou o terreno para o desenvolvimento dos estudos empíricos, buscando explicar os fatos sociais e políticos sem o julgamento de valores. Neste sentido, teoria normativa foi retratada como algo do passado, a ser estudada pela história das ideias. Essa visão foi defendida pelos racionalistas críticos, amparados pelos escritos de Karl Popper, os quais delimitavam que o critério de demarcação da ciência estaria na possibilidade de construir hipóteses (teorias) falseáveis. A dicotomia fatos/valores também é abordada com precisão a seguir:
“Normative theorizing must deal in facts just as empirical work must deal in values; they do not inhabit different worlds. The selection of a topic in empirical political science presumes a judgment of moral importance. (Therefore) Good social science must integrate both elements; it must be empirically grounded, and it must be relevant to human concerns.”  (GERRING, YESNOWITZ, 2006, 108-110p)

Apesar da velocidade em que o positivismo provocou mudanças na academia norte-americana, isso não determinou o fim dos estudos de teoria política normativa, apenas seu enfraquecimento. O retorno da disciplina nas ciências sociais, de facto, é reflexo dos estudos de John Rawls, em especial no livro Theory of Justice (1971). Sua obra orientou a teoria política normativa em sua contínua tarefa de criticar ou justificar instituições nas sociedades liberais democráticas, além de provocar o spillover effect do debate para as demais disciplinas, em especial a economia.
Na década de 1990, “pontes” foram construídas por alguns teóricos políticos sobre a lacuna existente entre a disciplina normativa e a pesquisa empírica, o que veio a ser chamado de teoria normativa aplicada. Este novo enfoque institucionalista – o qual presava por maior atenção as variações contextuais – destacou quatro temas proeminentes: (1) teoria não-ideal, a qual propõe a alternância entre as abordagens idealistas e realistas; (2) justiça global, onde o liberalismo requer que a preocupação e o respeito sejam estendidos em nível global; (3) sociedade fechadas, livre circulação de pessoas como meio para nivelar a qualidade de vida, ou redução das discrepâncias na própria nação como condição para a livre circulação; (4) autodeterminação e direito das minorias, debate regido por libertários, liberais igualitaristas, e liberais nacionalistas. Um quinto tema pode ser incorporado através do artigo de Martineau e Squires (2012), o qual proporciona um debate sobre a relação entre teoria política normativa e os estudos empíricos nas pesquisas feministas, questionando até que ponto seria possível estabelecer uma ponte entre os mesmos, ou seria necessário um método crítico alternativo a estas duas abordagens.
A virada contextual e institucionalista da teoria normativa apresentada acima têm elevado o interesse daqueles que trabalham na área em utilizar as abordagens comparativas e históricas em seus estudos de ciência política. Ainda que alguns estudiosos possuam receio de que, ao importar questões normativas aos seus trabalhos os mesmos percam a corroboração científica, Bauböck (2008), ressalta que esta é uma tarefa inevitável, uma vez que, as questões normativas afetam as ciências sociais em três maneiras diferentes: (1) toda pesquisa científica confronta-se com questões éticas; (2) o objeto de pesquisa não pode ser isolado clinicamente – o pesquisador está envolvido numa relação social com o fenômeno pesquisado; (3) a legitimidade do poder político e da autoridade são o conteúdo de investigação e não apenas o contexto da pesquisa social. 
Neste sentido, qualquer tentativa de purificar as ciências sociais de suas atribuições normativas é uma tentativa equivocada. Tanto a ciência social problem-driven e a teoria normativa estabelecem contribuições importantes para o discurso político, a primeira promove explicações teóricas e conhecimento empírico, a segunda clarifica os argumentos e princípios envolvidos. Sendo assim, os cientistas sociais possuem um reconhecido poder de influencia, o qual deveria ser utilizado para estimular o debate na sociedade civil, e não servir somente de feedback as elites no poder, e se os servissem que o fizessem em público, pois transparência é um dos pilares de uma democracia.
BAUBOCK, R. (2008) ‘Normative Political Theory and Empirical Research’, in D. Della Porta and M. Keating (eds), Approaches and Methodologies in the Social Sciences:A Pluralist Perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 40–60.  
GERRING, John; YESNOWITZ, Joshua. A Normative Turn in Political Science? 2006. Northeastern Political Science Association.Volume 38, Number 1. Boston University
MARTENEAU, Wendy; SQUIRES, Judith. Addressing the ‘Dismal Disconnection’: Normative Theory, Empirical Inquiry and Dialogic Researchpost. Political 

* Felipe Alessio - Mestrando em Relações Internacionais - UFSC
                         - Bacharel em Relações Internacionais - Unisul



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