sexta-feira, 27 de julho de 2012

A Teologia, a ortodoxia e a democracia


João Marcos Pereira Soares


A questão mais debatida na América Latina nas últimas semanas é o impeachment do presidente Fernando Lugo, que pode ser considerado um golpe de Estado, apesar de o governo “golpista” negar e afirmar que executou tudo dentro das normas constitucionais. O fato é que a democracia na América Latina mais uma vez foi ferida.
Semelhante ao que aconteceu com João Goulart no Brasil, em 1964, os ”golpistas” aproveitaram uma viagem do presidente, neste caso a participação de Fernando Lugo na Rio+20, realizada no Brasil, para, através da Câmara dos Deputados, abrirem o processo que levaria a cassação do presidente paraguaio. Lugo teve vinte e quatro horas para preparar uma defesa que teria de ser feita em duas horas. Héctor Timerman, chanceler argentino, em entrevista ao jornal Página 12, também argentino, denunciou o golpe: “Praticaram uma execução sumária. Darem duas horas de defesa a um presidente democraticamente eleito – um tempo menor que o que se concede a quem recorre de uma multa por avançar um sinal vermelho”.
Ataques à democracia à parte, um fator interessante do pós-impeachment no Paraguai foi o posicionamento do Vaticano, que reconheceu quase que instantaneamente o novo governo liderado por Federico Franco. Não é segredo que Fernando Lugo – aposentado, em 2004, pela Igreja Católica da função de bispo, sem razões divulgadas e recebendo a denominação de bispo emérito – é adepto da Teologia da Libertação, um movimento cristão de abordagem política que promove a justiça social, em defesa dos pobres e oprimidos; utilizando, para isso, as orientações do Concílio Vaticano II (1962-65), que tem como intuito a opção preferencial pelos pobres. É caracterizada por alguns autores como um marxismo cristianizado.
O Vaticano julga a abordagem marxista da Teologia da Libertação equivocada, por considerá-la herética, já que faz uma leitura materialista e ateia dos acontecimentos espirituais e também por considerar a aceitação de ideologias políticas como incompatível com a doutrina católica.
A aposentadoria de Fernando Lugo da função de bispo, para muitos, deve-se à sua militância política e ligação com a Teologia da Libertação, já que é sabido que o presidente paraguaio é profundo admirador e próximo de alguns expoentes da Teologia da Libertação, como Leonidas Proaño e os brasileiros Frei Betto, Leonardo Boff e Hélder Câmara. Em 2008, para concorrer à presidência, Lugo abandonou a batina definitivamente, já que a lei paraguaia exige a renúncia da vida religiosa para a participação em eleições.
Bento XVI, assim como foi seu antecessor, João Paulo II, é um grande defensor da ortodoxia católica e combate veementemente a rebeldia dos integrantes da Igreja que tentam fugir da doutrina católica tradicional. Não é interessante ao Vaticano que um ex-bispo adepto da Teologia da Libertação lidere um país católico e conservador.
Em um período no qual a Teologia da Libertação está em declínio, o Vaticano acredita ter vencido mais uma batalha para acabar com os defensores do movimento. Mas Fernando Lugo não se dá por vencido e já formou um governo paralelo ao de Federico Franco. Movimentos sociais e apoiadores de Lugo protestam e lutam pelo restabelecimento da ordem democrática no Paraguai. Mais um capítulo da história da América Latina está sendo escrito e promete muitos parágrafos até o último ponto final.

(*) João Marcos Pereira Soares é acadêmico de Relações Internacionais

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