Felipe Alessio*
Em uma
postagem anterior procurei trabalhar os enfoques epistemológicos das “teorias
dissidentes”. Para ir além, proponho agora uma breve reflexão sobre suas: (1)
diferentes capacidades explicativas; (2) propostas normativas distintas; (3) conexões
singulares com outras teorias/enfoques/disciplinas. Sendo assim, esses tópicos
serão explorados a seguir dentro de cada perspectiva teórica.
A
teoria crítica inicia sua trajetória nas relações internacionais na década de
80, tendo como principais expositores Ashley, Cox e Linklater. Essa perspectiva
teórica procura estudar as mudanças estruturais do sistema internacionais –
formação, manutenção e transformação. Ao estudar as mudanças da ordem mundial,
Cox utiliza em sua proposta explicativa o materialismo histórico e alguns
elementos do realismo antecedente a Morgenthau. Encontramos em seus trabalhos
fortes críticas às “teorias tradicionais”, as quais são rotuladas como problem-solving. O autor nos alerta
sobre a ligação entre conhecimento e política, uma vez que não há separação
entre o sujeito e o objeto de estudo, “todo conhecimento é feito para alguém e
para algum propósito”. Neste caso, o conhecimento gerado pelas teorias problem-solving carregam interesses e
convicções que impossibilitam o surgimento de uma ordem social mais justa.
A
teoria crítica não procura apenas explicar ou descrever a sociedade, mas sim
transforma-la. Ao colocar em cheque as estruturas do sistema internacional e
sua relação com a comunidade política, a teoria crítica encontra nas exposições
de Linklater argumentos de caráter cosmopolita que melhor promoverão liberdade,
justiça e igualdade. Neste caso, a teoria critica normativa de Linklater não
tem como proposito principal a explicação dos fenômenos (causa e efeito), mas
sim avaliá-los desde o ponto de vista ético. A proposta da teoria crítica nos
faz repensar as fundações normativas da política mundial. Além de incitar o
debate sobre um mundo passível de construção, nos abre a possibilidade da
“mudança” ser de acordo com os interesses de uma futura comunidade comunicativa universal.
Maior
desconfiança perante os interesses das teorias tradicionais são levantadas pelos
acadêmicos pós-modernos. O pós-modernismo é um pensamento oposto ao projeto de
modernidade e possui influencia de outras disciplinas como a linguística e a
genealogia. Acadêmicos adeptos a este pensamento negam a possibilidade de
conhecer o mundo e teorizar sobre ele, e desconfiam dos esforços “tradicionais”
em encontrar verdades universais. Com esta postura anticientífica, o
pós-modernismo procura nas análises de textos, discursos e narrativas a
possibilidade de aproximação com o mundo. Os próprios autores deste pensamento
não admitem a probabilidade de produzir conhecimento verdadeiro, não seguem
critérios de demarcação ou metodologia rigorosa, e nem primam pela qualidade de
suas fontes, o que coloca em cheque suas capacidades em propor explicações substantivas.
A proposta normativa do pós-modernismo se concentra na valorização
da diferença e no reconhecimento e dos outros tipos de saberes. No entanto, ao
aplicarem o método de desconstrução sobre determinado significado, não procuram
desenvolver uma agenda normativa clara sobre o futuro, ou de como seria este
mundo pós-moderno. Observamos assim, que estes autores desconstroem muito e
constroem (procuram construir) pouco.
Podemos
encontrar melhor consistência explicativa e normativa nas teorias de gênero sobre
as relações internacionais, sendo que o maior destaque se dá aos trabalhos
feministas. O feminismo é um projeto politico que visa eliminar as situações de
exploração, opressão e desigualdade que imperam em nossa sociedade patriarcal.
Por ser um projeto político, está carregado de elementos normativos,
aproximando-se desta maneira de perspectivas liberais, socialistas/marxistas,
ou radicais. Neste sentido, os autores procuram em seus argumentos normativos a
superação das limitações impostas pelo uso do positivismo. Para deixar claro, o
feminismo também apresenta pluralidade em sua concepção epistemológica,
partindo de estudos mais empíricos até os que se aproximam das percepções do
pós-modernismo. As diferentes perspectivas destacadas procuram desenvolver uma
agenda complementar, fortalecendo a proposta explicativa do feminista para as
relações internacionais.
Diferente
do feminismo, a sociologia histórica é mais moderada na composição de suas
críticas ao positivismo. Por um lado, encontramos a escola de Wallerstein
(sistema-mundo) que propõe criticas assertivas sobre o positivismo, por outro
lado nos deparamos com a sociologia histórica “neo-weberiana”, muito mais
científica e “positiva”. De qualquer maneira, a sociologia histórica analisa de
maneira crítica alguns períodos específicos da história, sendo que suas
principais contribuições partem dos estudos sobre a formação do Estado-nação e
o sistema de Estados em que se organizam as relações internacionais. Além da
análise histórica e sociológica, os autores que trabalham sobre esta
perspectiva utilizam-se das disciplinas de economia, antropologia, ciência
política, entre outras. A proposta explicativa da sociologia histórica não
procura renunciar os métodos científicos, pelo contrário, seus estudos estabelecem
os mecanismos de causa e efeito que determinam a simbiose entre o Estado-nação
e o capitalismo, entre o sistema político e o sistema econômico. Sobre a
dimensão normativa, a teoria procura destacar as desigualdades existentes
através da hierarquia, na ótica da separação centro-periferia. Os autores que
expõem esta abordagem destacam um otimismo perante a possibilidade de mudanças
do sistema internacional, porém não procuram estabelecer uma proposta normativa
muito menos prever se a suposta mudança é no sentido de maior justiça ou maior
desigualdade.
O
estudo das estruturas do sistema internacional também possuem adeptos no
construtivismo. Seguindo o mesmo conteúdo interdisciplinar e com influencias da
sociologia e da história, o construtivismo é um programa de investigação
constituído sobre as carências percebidas nas “teorias tradicionais”. O
construtivismo não é uma teoria, e também não apresenta um programa de pesquisa
homogêneo, pois seus autores bebem de fontes diferentes, desde abordagens mais
racionalistas até as premissas da hermenêutica interpretativa, e por vezes
combinando explicação e interpretação. O tema central da problemática
construtivista é a mutua constituição das estruturas sociais e dos agentes nas
RI. Neste sentido as identidades e os interesses dos atores influenciam o
comportamento e o resultado das ações dos demais atores, que não estão
condicionadas somente pela estrutura (neorrealismo) ou pelos processos e
instituições (neoliberalismo). O construtivismo traz para o debate de RIs o
papel das ideias, do pensamento e dos valores, alertando sobre a
conscientização humana em questões internacionais. A comunidade epistêmica, traduzida como um grupo de “profissionais
habilitados”, seria capaz de propor novas alternativas a realidade social das
relações internacionais, num sentido de maior justiça.
Nota-se,
que todas as teorias “dissidentes” possuem claramente o elemento crítico em
suas análises, desde abordagens mais radicais (pós-modernismo) aos
questionamentos mais moderados (construtivismo). Além da crítica, as
teorias/escolas procuram dialogar e importar de outras disciplinas conceitos e
métodos que agreguem conhecimento no debate das relações internacionais. Por
possuírem temáticas distintas e muitas vezes específicas, a comparação de
conteúdo se torna tarefa complicada. No entanto, acredito que alguns pontos
importantes, como as ligações com outras disciplinas, os conteúdos explicativos
e normativos foram analisados.
* Felipe Alessio - Mestrando em Relações Internacionais - UFSC
- Bacharel em Relações Internacionais - Unisul
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