segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Teorias “Dissidentes” nas Relações Internacionais: conteúdo normativo, explicativo e as conexões com outras disciplinas.


Felipe Alessio*

Em uma postagem anterior procurei trabalhar os enfoques epistemológicos das “teorias dissidentes”. Para ir além, proponho agora uma breve reflexão sobre suas: (1) diferentes capacidades explicativas; (2) propostas normativas distintas; (3) conexões singulares com outras teorias/enfoques/disciplinas. Sendo assim, esses tópicos serão explorados a seguir dentro de cada perspectiva teórica.
             A teoria crítica inicia sua trajetória nas relações internacionais na década de 80, tendo como principais expositores Ashley, Cox e Linklater. Essa perspectiva teórica procura estudar as mudanças estruturais do sistema internacionais – formação, manutenção e transformação. Ao estudar as mudanças da ordem mundial, Cox utiliza em sua proposta explicativa o materialismo histórico e alguns elementos do realismo antecedente a Morgenthau. Encontramos em seus trabalhos fortes críticas às “teorias tradicionais”, as quais são rotuladas como problem-solving. O autor nos alerta sobre a ligação entre conhecimento e política, uma vez que não há separação entre o sujeito e o objeto de estudo, “todo conhecimento é feito para alguém e para algum propósito”. Neste caso, o conhecimento gerado pelas teorias problem-solving carregam interesses e convicções que impossibilitam o surgimento de uma ordem social mais justa.
      A teoria crítica não procura apenas explicar ou descrever a sociedade, mas sim transforma-la. Ao colocar em cheque as estruturas do sistema internacional e sua relação com a comunidade política, a teoria crítica encontra nas exposições de Linklater argumentos de caráter cosmopolita que melhor promoverão liberdade, justiça e igualdade. Neste caso, a teoria critica normativa de Linklater não tem como proposito principal a explicação dos fenômenos (causa e efeito), mas sim avaliá-los desde o ponto de vista ético. A proposta da teoria crítica nos faz repensar as fundações normativas da política mundial. Além de incitar o debate sobre um mundo passível de construção, nos abre a possibilidade da “mudança” ser de acordo com os interesses de uma futura comunidade comunicativa universal.
           Maior desconfiança perante os interesses das teorias tradicionais são levantadas pelos acadêmicos pós-modernos. O pós-modernismo é um pensamento oposto ao projeto de modernidade e possui influencia de outras disciplinas como a linguística e a genealogia. Acadêmicos adeptos a este pensamento negam a possibilidade de conhecer o mundo e teorizar sobre ele, e desconfiam dos esforços “tradicionais” em encontrar verdades universais. Com esta postura anticientífica, o pós-modernismo procura nas análises de textos, discursos e narrativas a possibilidade de aproximação com o mundo. Os próprios autores deste pensamento não admitem a probabilidade de produzir conhecimento verdadeiro, não seguem critérios de demarcação ou metodologia rigorosa, e nem primam pela qualidade de suas fontes, o que coloca em cheque suas capacidades em propor explicações substantivas. A proposta normativa do pós-modernismo se concentra na valorização da diferença e no reconhecimento e dos outros tipos de saberes. No entanto, ao aplicarem o método de desconstrução sobre determinado significado, não procuram desenvolver uma agenda normativa clara sobre o futuro, ou de como seria este mundo pós-moderno. Observamos assim, que estes autores desconstroem muito e constroem (procuram construir) pouco.
            Podemos encontrar melhor consistência explicativa e normativa nas teorias de gênero sobre as relações internacionais, sendo que o maior destaque se dá aos trabalhos feministas. O feminismo é um projeto politico que visa eliminar as situações de exploração, opressão e desigualdade que imperam em nossa sociedade patriarcal. Por ser um projeto político, está carregado de elementos normativos, aproximando-se desta maneira de perspectivas liberais, socialistas/marxistas, ou radicais. Neste sentido, os autores procuram em seus argumentos normativos a superação das limitações impostas pelo uso do positivismo. Para deixar claro, o feminismo também apresenta pluralidade em sua concepção epistemológica, partindo de estudos mais empíricos até os que se aproximam das percepções do pós-modernismo. As diferentes perspectivas destacadas procuram desenvolver uma agenda complementar, fortalecendo a proposta explicativa do feminista para as relações internacionais.
            Diferente do feminismo, a sociologia histórica é mais moderada na composição de suas críticas ao positivismo. Por um lado, encontramos a escola de Wallerstein (sistema-mundo) que propõe criticas assertivas sobre o positivismo, por outro lado nos deparamos com a sociologia histórica “neo-weberiana”, muito mais científica e “positiva”. De qualquer maneira, a sociologia histórica analisa de maneira crítica alguns períodos específicos da história, sendo que suas principais contribuições partem dos estudos sobre a formação do Estado-nação e o sistema de Estados em que se organizam as relações internacionais. Além da análise histórica e sociológica, os autores que trabalham sobre esta perspectiva utilizam-se das disciplinas de economia, antropologia, ciência política, entre outras. A proposta explicativa da sociologia histórica não procura renunciar os métodos científicos, pelo contrário, seus estudos estabelecem os mecanismos de causa e efeito que determinam a simbiose entre o Estado-nação e o capitalismo, entre o sistema político e o sistema econômico. Sobre a dimensão normativa, a teoria procura destacar as desigualdades existentes através da hierarquia, na ótica da separação centro-periferia. Os autores que expõem esta abordagem destacam um otimismo perante a possibilidade de mudanças do sistema internacional, porém não procuram estabelecer uma proposta normativa muito menos prever se a suposta mudança é no sentido de maior justiça ou maior desigualdade.
       O estudo das estruturas do sistema internacional também possuem adeptos no construtivismo. Seguindo o mesmo conteúdo interdisciplinar e com influencias da sociologia e da história, o construtivismo é um programa de investigação constituído sobre as carências percebidas nas “teorias tradicionais”. O construtivismo não é uma teoria, e também não apresenta um programa de pesquisa homogêneo, pois seus autores bebem de fontes diferentes, desde abordagens mais racionalistas até as premissas da hermenêutica interpretativa, e por vezes combinando explicação e interpretação. O tema central da problemática construtivista é a mutua constituição das estruturas sociais e dos agentes nas RI. Neste sentido as identidades e os interesses dos atores influenciam o comportamento e o resultado das ações dos demais atores, que não estão condicionadas somente pela estrutura (neorrealismo) ou pelos processos e instituições (neoliberalismo). O construtivismo traz para o debate de RIs o papel das ideias, do pensamento e dos valores, alertando sobre a conscientização humana em questões internacionais. A comunidade epistêmica, traduzida como um grupo de “profissionais habilitados”, seria capaz de propor novas alternativas a realidade social das relações internacionais, num sentido de maior justiça.
  Nota-se, que todas as teorias “dissidentes” possuem claramente o elemento crítico em suas análises, desde abordagens mais radicais (pós-modernismo) aos questionamentos mais moderados (construtivismo). Além da crítica, as teorias/escolas procuram dialogar e importar de outras disciplinas conceitos e métodos que agreguem conhecimento no debate das relações internacionais. Por possuírem temáticas distintas e muitas vezes específicas, a comparação de conteúdo se torna tarefa complicada. No entanto, acredito que alguns pontos importantes, como as ligações com outras disciplinas, os conteúdos explicativos e normativos foram analisados. 

* Felipe Alessio - Mestrando em Relações Internacionais - UFSC
                         - Bacharel em Relações Internacionais - Unisul

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